domingo, 28 de outubro de 2012

Júlio Dinis (A sessão, em 23-10-2012)


Esta sessão teve exercício muito original.
O António Gil partilhou com o grupo a leitura de títulos de jornal.
Um exercício jornalístico que sensibiliza o autor para o impacto que os seus títulos produzem no leitor.



Texto lido por Helena Policarpo.














NOVA VÉNUS

Poesia de JÚLIO DINIZ escrita em 28 de Fevereiro de 1863.

Solta aos ventos as tranças douradas,
Meiga filha das bordas do mar,
E no meio das vagas iradas
Solta aos ventos o alegre cantar.

Não, não temas as nuvens sombrias,
Que uma a uma se elevam d´além;
Que, rodeado de amor e  alegrias,
O teu céu dessas nuvens não tem.

Canta sempre; de noite, às estrelas,
De manhã ao luzir do arrebol,
Ao passarem no mar as procelas,
Ao sorrir nos outeiros o sol.

Canta sempre, ó alcião destas vagas,
Nova filha da espuma do mar,
Canta sempre, e eu sentado nas fragas,
Voltarei para ouvir-te cantar.


Texto lido por António Soares e Cristina Paiva.
















UMA CONSULTA

Poesia de Julio Diniz escrita em Janeiro de 1860.

-- Dá licença?
-- Entre quem é.
-- Muito bons dias.
-- Olé! Por aqui, minha senhora?
Desculpe Vossa Excelência
Se a não conhecia agora.
--Sem mais. À sua ciência
Recorrer venho.
-- Deveras?
(Senhor me dê paciência;
Nunca tú cá me vieras!)
-- Então que temos?
-- Padeço.
-- Sim, porém de que doença?
--Essa é boa! Acaso pensa
Que eu, porventura, a conheço?
-- Ah! Não conhece?
-- Quem dera!
Então não o consultava.
(-- E eu que muito estimava!)
Mas diga então…
-- Eu lhe conto.
Ouça bem. Não perca um ponto.
-- Nem um ponto hei-de perder.
-- Ai, doutor, meu peito…
-- É do peito que padece?
Quem havia de o dizer?
-- Ih Jesus, doutor, parece
Que me quer interromper?
Não era a isso sujeito.
-- Nem o tornarei a ser.
Vamos lá.
-- Ora eu começo.
Atenção é o que lhe peço;
Diga-me, que lhe pareço?
Não me acha muito abatida?
-- Assim, assim; mas às vezes,
A vista pode enganar.
-- Não, não, pode acreditar
Que, há já um bom par de meses,
É um tormento esta vida.
-- Então o que é que sente?
-- O que sinto? Ora eu lhe digo:
O doutor é meu amigo?
-- Oh senhora?…
-- E é prudente…
Ouça pois. Eu dantes era
Fera e rija que era um gosto!
Ou em Dezembro ou em Agosto
Correr o mundo pudera,
Sem, no fim, me achar cansada.
-- E hoje?
-- Não lhe digo nada.
Nem comigo posso já!
-- Mau é.
-- Quer saber, doutor?
Só para vir até cá
Que tormentos não passei!
-- Diga-me, se faz favor,
Que idade tem?
-- Eu nem sei.
Eu sou mais nova três anos
Que o reitor da freguesia.
( -- É grande consolação!)
-- Tenho ainda outros dois manos,
Que mais velhos do que eu são…
Porém como eu lhe dizia,
Doutor…
-- Que mais sente então?
-- A vista sinto estragada.
Até já me custa a ler!
De mais a mais sou nervosa,
Isso não lhe digo nada!
Olhe, estou sempre a tremer.
-- Faço ideia.
-- Andava ansiosa
Por consultar o doutor…
Eu tenho em si muita fé.
-- Lisonjeia-me.
-- Outra queixa
Que eu sofro também…
-- Qual é?
--É dum forte mal dos dentes.
Todos me caiem.
-- Bem, bem…
-- E os que restam, mal assentes,
Qualquer dia vão também.
-- É provável.
-- Ai, doutor
Que cruel enfermidade!
Não acha?
-- Acho e o pior…
-- Há-de curar-me, não há-de?
-- E então não sente mais nada?
-- Nada. Ai sim, tem-me par’cido…
Porém talvez me iludisse…
-- Diga.
-- A semana passada,
Como ao espelho me visse…
Pareceu ter percebido…
-- O quê?
-- Que a pele não era
Como dantes tão macia.
-- E então?
-- Quem visse dissera
Que eram rugas.
(-- Eu dizia!)
E é isso o que padece?
-- Inda pouco lhe parece,
Doutor?
-- Por certo que não.
-- Então que doença tenho?
-- Em sabê-lo muito empenho
Sempre tem?
-- Eu? Pois então,
Para isso o procurei.
-- Bem, então, sempre lho digo,
Mas julgo não ficarei
Por isso seu inimigo.
-- Oh, meu doutor!
-- O seu mal
É, senhora, d’algum p’rigo.
-- Ai, Jesus!
-- E muita gente
Dele morre…
-- Oh, Santo Deus!
Por quem é, não diga tal!
E morre-se de repente?
-- Conforme.
-- Pecados meus!
E então é isso o que pensa?
Porém ainda não me disse
o nome dessa doença.
E eu sempre o quero saber…
-- O nome?
-- Sim.
-- É… velhice!
………………………………..
-- E o remédio?
-- Morrer!


Ana Maria e António










(António)


As Pupilas do Senhor Reitor

É uma história vulgar a deste homem. Insistir nela seria contar ao leitor coisas sabidas.
A quem reservará a sorte o privilégio de ignorar uma história assim?
Era, pois, um desgraçado. Isto bastava para que, ao seu lado, visse, olhando-o compadecido, o rosto de Margarida, e, animando-o, os sorrisos de Clara.
O infortúnio chamou, para junto do leito de miséria deste velho desanimado, estas duas mulheres. Ao lado de todas as cruzes aparecem desses vultos compassivos.
Com que havia de recompensar a devoção heróica de duas juventudes à velhice empobrecida, quem nada tinha que dar?
Não lhe exigiam elas a recompensa, é certo; mas pedia-lha a alma.
Dos amigos, que tivera, só lhe restavam quatro; e esses lhe valeram. Eram quatro livros...
Talvez os leitores já estivessem imaginando que este homem trouxera ainda quatro amigos para a adversidade, sem serem livros. Custa-me desenganá-los; mas não trouxe.
Foi nestes livros que Margarida encontrou novos alimentos para a leitura. Não sei bem ao certo quais eram eles.
Estas leituras, dirigidas agora pela critica esclarecida e o são juízo do pobre velho, valeram imenso a Margarida, que, dentro em pouco, chegou a uma cultura intelectual, a que nunca tinha aspirado.
Por isso, na ocasião de formar projectos, para se dignificar aos próprios olhos pelo trabalho, sorria-lhe principalmente a carreira do ensino. Ensinar era aprender, ensinar era amar; e estas duas necessidades daquele espírito generoso, aprender e amar, se satisfaziam assim.
Cultivar inteligências e cultivar afeições!... que futuro! A alma, no íntimo apaixonada, de Margarida exultava só com a ideia.
Restava obter o consentimento de Clara, e que táctica não seria necessária para isso!
- Clarinha - disse-lhe pois um dia Margarida — vou pedir-te um favor!
- É possível! - exclamou Clara, sinceramente admirada. É esta a primeira vez me pedes um favor, Guida. Repara bem.
- Tanto mais razão para mo concederes, filha; não é verdade?
- Assim me pedisses mil, Guida, para todos te conceder também. Ora dize.
- Sabes? Eu não me dou com esta vida de senhora, em que tu me tens. Que queres, minha filha? Isto de trabalhar é hábito que se ganha de pequeno e se não perde mais...
Mas então? - disse Clara pondo-se séria como se suspeitasse vagamente o que a irmã lhe ia dizer.
Queria que me deixasses trabalhar.
Mas não trabalhas tu tanto, mais do que eu, Guida? Podia eu, sem ti, olhar por estas coisas de casa, de que não entendo, de que não quero entender? Só se queres vir levar ao ribeiro comigo. Ora! Guida, estas mãos delgadas já não foram feitas para isso.
O que dizes que eu tenho que fazer, Clarinha, não é trabalho que ocupe muitas horas, como sabes. Resta-me ainda tanto tempo! Olha que os dias são muito grandes.
Mas que queres tu afinal?
Sabes?... Uma coisa que eu desejava... uma coisa que me faria andar alegre até!... não desejas tu ver-me andar alegre? Não me ralhas tu pelas minhas tristezas?
Mas vamos a ver o que tu querias; o que é que te daria essas alegrias grandes? Alguma loucura grande também.
Não é, não. Olha... se eu tivesse umas poucas de crianças para ensinar...
Clara não a deixou continuar.
- Tu, tu, minha irmã! Ensinares tu as filhas dos outros?! Víveres de educar os filhos alheios!
- Ó orgulhosa! Então isso é alguma vergonha? Anda lá, que se o Sr. Reitor te ouvia...
- Mas que se diria de mim, Guida? Sempre tens coisas! Repara bem, que se diria de mim?
- Que és uma boa alma, Clarinha, que tu repartes comigo a tua casa, o teu...
- Guida! - exclamou Clara, interrompendo-a com um tom de repreensão.
- E que se dirá de mim, se me não concederes o que te o que te peço? O que se terá já dito?
- Que és muito boa em não me abandonares, em me dates conselhos, em me perdoares as minhas doidices.
- Mas não é também por o que dirão, que eu te peço isto, não; é, porque o coração me leva a pedir-to.
Guida, por amor de Deus! Perde essa ideia! É uma desfeita que me fazes.
Não é, minha filha, não é. Pois bem, pergunte-se ao Sr. Reitor e se ele disser que...
Ora, o Sr. Reitor, sim! Basta ser pedido teu para ele o aprovar.
Estás sendo muito má - disse Margarida afagando-a.
Depois de alguma luta, foi resolvido consultar o pároco, ficando cada uma com a liberdade de pleitear a causa própria.
Clara tinha alguma razão em suspeitar da imparcialidade do Juíz. O pároco, tutor das duas raparigas, costumara-se a admirar o bom senso e inteligência superior de Margarida a ponto de confiar mais nela, do que em si mesmo.
Decidiu pois a demanda a favor da irmã mais velha, excitando contra si um amuo de Clara, que durou três dias. Era extensão excepcional nos despeitos da boa rapariga; mas é que desta vez sempre se tratava de Margarida, e em tais assuntos Clara era intolerante.
Em resultado de tudo isto, passados dias, começou Margarida a sua tarefa de educação, à qual se entregava com amor. As crianças afluíam-lhe atraídas por aquela suavidade de maneiras, que constituía um dos mais fortes atractivos do carácter dela.
No entretanto o reitor ia-se afeiçoando todos os dias mais às suas pupilas.
À mais velha dizia:
- Toma-me conta em Clara. É rapariga e amiga de brincar? Faze com que te confie todos os segredos. Serve-te do poder que tens sobre ela para a guiares, minha filha. Dá-Lhe parte do teu juízo.
E, por outro lado, dizia a Clara:
- Olha lá, rapariga. Tu anda-me com juizínho; ouviste? É bom rir e estar alegre, mas em termos, em termos. Segue os conselhos de tua irmã e faze por imitá-la.
E, consigo só, dizia, ao lembrarem-lhe as duas:
- Excelentes corações! Deus lhes dê na terra a felicidade, que eu lhes desejo de que são dignas. A Clarita bem está... Tem dos bens da fortuna, não lhe faltarão arrumações; Mas a pobre Margarida... Se ao menos, por felicidade, tiver um cunhado que seja homem de bem!...

A Xanas (Alexandra J. e Alendra F.) e o Vasco, ajudaram a lembrar as Pupilas do Senhor Reitor.















O João,




leu, de Pedro Mexia: Aniversário; e Eternity (For Men)













Rosa, leu Metamorfose, de Júlio Dinis 




Mila, trouxe um texto de Mia Couto.





 Mariana e Helena, leram sobre Júlio Dinis


 O LEA tem no mês de Outubro muitos aniversariantes.
Aqui ficam os parabéns para a Helena, a Alexandra J., o João e o Vasco.


A Cristina brindou os aniversariantes com o poema Portugal Futuro de Ruy Belo:

o portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro




1 comentário:

  1. Obrigado à Cristina, uma vez mais pelo presente literário e obrigado a todos pela presença, espero voltar em breve

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