domingo, 28 de outubro de 2012

Próxima sessão: 2012-11-13, Tema - IMAGEM















IMAGEM















Responsável pela sessão: Vasco Maia

Júlio Dinis (A sessão, em 23-10-2012)


Esta sessão teve exercício muito original.
O António Gil partilhou com o grupo a leitura de títulos de jornal.
Um exercício jornalístico que sensibiliza o autor para o impacto que os seus títulos produzem no leitor.



Texto lido por Helena Policarpo.














NOVA VÉNUS

Poesia de JÚLIO DINIZ escrita em 28 de Fevereiro de 1863.

Solta aos ventos as tranças douradas,
Meiga filha das bordas do mar,
E no meio das vagas iradas
Solta aos ventos o alegre cantar.

Não, não temas as nuvens sombrias,
Que uma a uma se elevam d´além;
Que, rodeado de amor e  alegrias,
O teu céu dessas nuvens não tem.

Canta sempre; de noite, às estrelas,
De manhã ao luzir do arrebol,
Ao passarem no mar as procelas,
Ao sorrir nos outeiros o sol.

Canta sempre, ó alcião destas vagas,
Nova filha da espuma do mar,
Canta sempre, e eu sentado nas fragas,
Voltarei para ouvir-te cantar.


Texto lido por António Soares e Cristina Paiva.
















UMA CONSULTA

Poesia de Julio Diniz escrita em Janeiro de 1860.

-- Dá licença?
-- Entre quem é.
-- Muito bons dias.
-- Olé! Por aqui, minha senhora?
Desculpe Vossa Excelência
Se a não conhecia agora.
--Sem mais. À sua ciência
Recorrer venho.
-- Deveras?
(Senhor me dê paciência;
Nunca tú cá me vieras!)
-- Então que temos?
-- Padeço.
-- Sim, porém de que doença?
--Essa é boa! Acaso pensa
Que eu, porventura, a conheço?
-- Ah! Não conhece?
-- Quem dera!
Então não o consultava.
(-- E eu que muito estimava!)
Mas diga então…
-- Eu lhe conto.
Ouça bem. Não perca um ponto.
-- Nem um ponto hei-de perder.
-- Ai, doutor, meu peito…
-- É do peito que padece?
Quem havia de o dizer?
-- Ih Jesus, doutor, parece
Que me quer interromper?
Não era a isso sujeito.
-- Nem o tornarei a ser.
Vamos lá.
-- Ora eu começo.
Atenção é o que lhe peço;
Diga-me, que lhe pareço?
Não me acha muito abatida?
-- Assim, assim; mas às vezes,
A vista pode enganar.
-- Não, não, pode acreditar
Que, há já um bom par de meses,
É um tormento esta vida.
-- Então o que é que sente?
-- O que sinto? Ora eu lhe digo:
O doutor é meu amigo?
-- Oh senhora?…
-- E é prudente…
Ouça pois. Eu dantes era
Fera e rija que era um gosto!
Ou em Dezembro ou em Agosto
Correr o mundo pudera,
Sem, no fim, me achar cansada.
-- E hoje?
-- Não lhe digo nada.
Nem comigo posso já!
-- Mau é.
-- Quer saber, doutor?
Só para vir até cá
Que tormentos não passei!
-- Diga-me, se faz favor,
Que idade tem?
-- Eu nem sei.
Eu sou mais nova três anos
Que o reitor da freguesia.
( -- É grande consolação!)
-- Tenho ainda outros dois manos,
Que mais velhos do que eu são…
Porém como eu lhe dizia,
Doutor…
-- Que mais sente então?
-- A vista sinto estragada.
Até já me custa a ler!
De mais a mais sou nervosa,
Isso não lhe digo nada!
Olhe, estou sempre a tremer.
-- Faço ideia.
-- Andava ansiosa
Por consultar o doutor…
Eu tenho em si muita fé.
-- Lisonjeia-me.
-- Outra queixa
Que eu sofro também…
-- Qual é?
--É dum forte mal dos dentes.
Todos me caiem.
-- Bem, bem…
-- E os que restam, mal assentes,
Qualquer dia vão também.
-- É provável.
-- Ai, doutor
Que cruel enfermidade!
Não acha?
-- Acho e o pior…
-- Há-de curar-me, não há-de?
-- E então não sente mais nada?
-- Nada. Ai sim, tem-me par’cido…
Porém talvez me iludisse…
-- Diga.
-- A semana passada,
Como ao espelho me visse…
Pareceu ter percebido…
-- O quê?
-- Que a pele não era
Como dantes tão macia.
-- E então?
-- Quem visse dissera
Que eram rugas.
(-- Eu dizia!)
E é isso o que padece?
-- Inda pouco lhe parece,
Doutor?
-- Por certo que não.
-- Então que doença tenho?
-- Em sabê-lo muito empenho
Sempre tem?
-- Eu? Pois então,
Para isso o procurei.
-- Bem, então, sempre lho digo,
Mas julgo não ficarei
Por isso seu inimigo.
-- Oh, meu doutor!
-- O seu mal
É, senhora, d’algum p’rigo.
-- Ai, Jesus!
-- E muita gente
Dele morre…
-- Oh, Santo Deus!
Por quem é, não diga tal!
E morre-se de repente?
-- Conforme.
-- Pecados meus!
E então é isso o que pensa?
Porém ainda não me disse
o nome dessa doença.
E eu sempre o quero saber…
-- O nome?
-- Sim.
-- É… velhice!
………………………………..
-- E o remédio?
-- Morrer!


Ana Maria e António










(António)


As Pupilas do Senhor Reitor

É uma história vulgar a deste homem. Insistir nela seria contar ao leitor coisas sabidas.
A quem reservará a sorte o privilégio de ignorar uma história assim?
Era, pois, um desgraçado. Isto bastava para que, ao seu lado, visse, olhando-o compadecido, o rosto de Margarida, e, animando-o, os sorrisos de Clara.
O infortúnio chamou, para junto do leito de miséria deste velho desanimado, estas duas mulheres. Ao lado de todas as cruzes aparecem desses vultos compassivos.
Com que havia de recompensar a devoção heróica de duas juventudes à velhice empobrecida, quem nada tinha que dar?
Não lhe exigiam elas a recompensa, é certo; mas pedia-lha a alma.
Dos amigos, que tivera, só lhe restavam quatro; e esses lhe valeram. Eram quatro livros...
Talvez os leitores já estivessem imaginando que este homem trouxera ainda quatro amigos para a adversidade, sem serem livros. Custa-me desenganá-los; mas não trouxe.
Foi nestes livros que Margarida encontrou novos alimentos para a leitura. Não sei bem ao certo quais eram eles.
Estas leituras, dirigidas agora pela critica esclarecida e o são juízo do pobre velho, valeram imenso a Margarida, que, dentro em pouco, chegou a uma cultura intelectual, a que nunca tinha aspirado.
Por isso, na ocasião de formar projectos, para se dignificar aos próprios olhos pelo trabalho, sorria-lhe principalmente a carreira do ensino. Ensinar era aprender, ensinar era amar; e estas duas necessidades daquele espírito generoso, aprender e amar, se satisfaziam assim.
Cultivar inteligências e cultivar afeições!... que futuro! A alma, no íntimo apaixonada, de Margarida exultava só com a ideia.
Restava obter o consentimento de Clara, e que táctica não seria necessária para isso!
- Clarinha - disse-lhe pois um dia Margarida — vou pedir-te um favor!
- É possível! - exclamou Clara, sinceramente admirada. É esta a primeira vez me pedes um favor, Guida. Repara bem.
- Tanto mais razão para mo concederes, filha; não é verdade?
- Assim me pedisses mil, Guida, para todos te conceder também. Ora dize.
- Sabes? Eu não me dou com esta vida de senhora, em que tu me tens. Que queres, minha filha? Isto de trabalhar é hábito que se ganha de pequeno e se não perde mais...
Mas então? - disse Clara pondo-se séria como se suspeitasse vagamente o que a irmã lhe ia dizer.
Queria que me deixasses trabalhar.
Mas não trabalhas tu tanto, mais do que eu, Guida? Podia eu, sem ti, olhar por estas coisas de casa, de que não entendo, de que não quero entender? Só se queres vir levar ao ribeiro comigo. Ora! Guida, estas mãos delgadas já não foram feitas para isso.
O que dizes que eu tenho que fazer, Clarinha, não é trabalho que ocupe muitas horas, como sabes. Resta-me ainda tanto tempo! Olha que os dias são muito grandes.
Mas que queres tu afinal?
Sabes?... Uma coisa que eu desejava... uma coisa que me faria andar alegre até!... não desejas tu ver-me andar alegre? Não me ralhas tu pelas minhas tristezas?
Mas vamos a ver o que tu querias; o que é que te daria essas alegrias grandes? Alguma loucura grande também.
Não é, não. Olha... se eu tivesse umas poucas de crianças para ensinar...
Clara não a deixou continuar.
- Tu, tu, minha irmã! Ensinares tu as filhas dos outros?! Víveres de educar os filhos alheios!
- Ó orgulhosa! Então isso é alguma vergonha? Anda lá, que se o Sr. Reitor te ouvia...
- Mas que se diria de mim, Guida? Sempre tens coisas! Repara bem, que se diria de mim?
- Que és uma boa alma, Clarinha, que tu repartes comigo a tua casa, o teu...
- Guida! - exclamou Clara, interrompendo-a com um tom de repreensão.
- E que se dirá de mim, se me não concederes o que te o que te peço? O que se terá já dito?
- Que és muito boa em não me abandonares, em me dates conselhos, em me perdoares as minhas doidices.
- Mas não é também por o que dirão, que eu te peço isto, não; é, porque o coração me leva a pedir-to.
Guida, por amor de Deus! Perde essa ideia! É uma desfeita que me fazes.
Não é, minha filha, não é. Pois bem, pergunte-se ao Sr. Reitor e se ele disser que...
Ora, o Sr. Reitor, sim! Basta ser pedido teu para ele o aprovar.
Estás sendo muito má - disse Margarida afagando-a.
Depois de alguma luta, foi resolvido consultar o pároco, ficando cada uma com a liberdade de pleitear a causa própria.
Clara tinha alguma razão em suspeitar da imparcialidade do Juíz. O pároco, tutor das duas raparigas, costumara-se a admirar o bom senso e inteligência superior de Margarida a ponto de confiar mais nela, do que em si mesmo.
Decidiu pois a demanda a favor da irmã mais velha, excitando contra si um amuo de Clara, que durou três dias. Era extensão excepcional nos despeitos da boa rapariga; mas é que desta vez sempre se tratava de Margarida, e em tais assuntos Clara era intolerante.
Em resultado de tudo isto, passados dias, começou Margarida a sua tarefa de educação, à qual se entregava com amor. As crianças afluíam-lhe atraídas por aquela suavidade de maneiras, que constituía um dos mais fortes atractivos do carácter dela.
No entretanto o reitor ia-se afeiçoando todos os dias mais às suas pupilas.
À mais velha dizia:
- Toma-me conta em Clara. É rapariga e amiga de brincar? Faze com que te confie todos os segredos. Serve-te do poder que tens sobre ela para a guiares, minha filha. Dá-Lhe parte do teu juízo.
E, por outro lado, dizia a Clara:
- Olha lá, rapariga. Tu anda-me com juizínho; ouviste? É bom rir e estar alegre, mas em termos, em termos. Segue os conselhos de tua irmã e faze por imitá-la.
E, consigo só, dizia, ao lembrarem-lhe as duas:
- Excelentes corações! Deus lhes dê na terra a felicidade, que eu lhes desejo de que são dignas. A Clarita bem está... Tem dos bens da fortuna, não lhe faltarão arrumações; Mas a pobre Margarida... Se ao menos, por felicidade, tiver um cunhado que seja homem de bem!...

A Xanas (Alexandra J. e Alendra F.) e o Vasco, ajudaram a lembrar as Pupilas do Senhor Reitor.















O João,




leu, de Pedro Mexia: Aniversário; e Eternity (For Men)













Rosa, leu Metamorfose, de Júlio Dinis 




Mila, trouxe um texto de Mia Couto.





 Mariana e Helena, leram sobre Júlio Dinis


 O LEA tem no mês de Outubro muitos aniversariantes.
Aqui ficam os parabéns para a Helena, a Alexandra J., o João e o Vasco.


A Cristina brindou os aniversariantes com o poema Portugal Futuro de Ruy Belo:

o portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro




Teatro

Sessão de 9-10-2012

Tema: Teatro



A Cristina e a Helena numa parceria da ocasião e num momento de improviso, interpretaram a:
Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.


Rosa e Alexandra Ferreira, interpretaram:
O João Chorão e o Zé Alegrias, autor desconhecido.




Vitória, leu: Papel Principal

A noite acabou

O jogo acabou

Para mim aqui

Quando acordar

Já te esqueci

O filme acabou

O drama acabou, acabou-se a dor

Tu sempre foste um mau actor

Fizeste de herói no papel principal

Mas representaste e mentiste-me tão mal.

Quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

afinal hoje o papel principal é

Meu e só meu

E quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

Afinal hoje o papel principal é meu.

A noite acabou

O jogo acabou para mim aqui

Quando acordar já te esqueci

O filme acabou

O drama acabou, acabou-se a dor

Tu sempre foste um mau actor

Fizeste de herói no papel principal

Mas representaste e mentiste-me tão mal.

Quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

Afinal hoje o papel principal é meu

E só meu

E quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

Afinal hoje o papel principal é meu

Quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

Afinal hoje o papel principal é meu e só meu

E quem perdeu foste tu só tu e nunca eu

Afinal hoje o papel principal é meu

Ohhhhhh

Letra de Adelaide Ferreira e Tó Zé Brito

Música de Tó Zé Brito




António Gil e Ana Maria, leram:
Os Herdeiros da Lua de Joana – Maria Teresa Maia Gonzalez – Edições Verbo

ACTO IV
CENA 1
Consultório do Psicólogo

DR. GOMES
(Sentado à mesa, virando-se para Bé) Finalmente, tenho o prazer de a conhecer, minha senhora! Já cá esteve o seu marido... e, claro, o Jorge, mas esse já o conheço há uns tempos, como sabe...
E como vai o meu filho doutor Gomes? Parece-me tão... desorientado!
DR. GOMES
Eu diria... revoltado. Mas a revolta do Jorge já vem de longe.
(Indignada) Não sei porquê! Teve sempre tudo o que quis!
DR. GOMES
(Sorrindo) Talvez por isso mesmo...
(Abanando a cabeça negativamente) Não compreendo! Aliás, ultimamente, tenho a sensação de que já não compreendo nada nem ninguém!
DR. GOMES
Quer exemplificar, senhora dona Isabel?
Por favor, trate-me por Bé, como toda a gente. Nunca gostei do meu nome, sabe?
DR. GOMES
(Sorrindo) Piquei agora a saber... Mas estava a dizer...
Ainda no outro dia houve uma discussão lá em casa por causa de uma coisa sem importância. (Pausa breve) A minha filha a Joana... tinha um baloiço no quarto dela; era uma coisa especial para ela, julgo... Foi ela quem me pediu que o mandasse fazer, de acordo com as indicações que me deu. Quando a Joana. .. desapareceu...
DR. GOMES
(Corrigindo delicadamente) Morreu...
(Morde o lábio inferior e respira fundo.) Sim, claro... Bem, como deve calcular, tivemos de dar um destino às coisas dela; ou melhor, quem fez isso fui eu, o que já era de esperar...
DR. GOMES
Porquê?
(Irritada) Ora! Porque o meu marido não teve coragem de decidir para onde iriam as coisas da filha! Se fosse por ele, não nos tínhamos desfeito de nada... (Elevando um pouco o tom de voz) claro que era preciso decidir o que fazer com as coisas da Joana!
DR. GOMES
Mas não deixa de ser um processo muito doloroso...
(Nervosa) Evidentemente!
DR. GOMES
Mas continue, por favor.
Fui eu que dei um destino a tudo, quero dizer... a quase tudo. Ficou...
DR. GOMES
O tal baloiço...
Pois foi. (Pausa breve) Sabe, é um baloiço muito original: tem a forma de uma meia-lua pintada de branco; de resto, todo o quarto da Joana era branco, completamente branco, até... até ela começar a... desnortear-se...
DR. GOMES
E a discussão foi sobre essa lua...
Pois foi. Não sabia o que fazer dela e deixei-a no corredor lá de casa, até encontrar uma solução... (Pausa breve) Ora, o meu filho irritadiço como tem andado, embirrou com aquilo e resolveu levar o baloiço para a sala! (Elevando o tom de voz) Uma coisa sem cabimento...
DR. GOMES
E como é que a Bé interpreta essa atitude do Jorge?
(Irritada) Sei lá! Foi para nos enervar ainda mais, a mim e ao pai! Como se não bastasse o que nos aconteceu...
DR. GOMES
(Corrigindo delicadamente) O que vos aconteceu a todos! O Jorge também sofreu e está a sofrer muito...
(Cabisbaixa) Sim, eu sei.
DR. GOMES
E não lhe ocorreu que o Jorge pode ter levado o baloiço da irmã para a sala para chamar a vossa atenção para alguma coisa que ele gostaria de ver mudada?
(Intrigada) O quê?
DR. GOMES
(Pausadamente) Esse baloiço... essa tal lua... de certa maneira, representa a Joana, não será?
Bem, talvez... (Pausa breve) Nunca tinha pensado nisso, mas faz algum sentido, sim...
DR. GOMES
Eu acho que faz muito sentido. Pelo que tenho ouvido acerca da sua filha, a visão que tenho dela pode bem ser materializada nessa tal meia-lua branca: a outra metade, como no astro, invisível, mas podemos visualizá-la facilmente... Ora, por aquilo que o seu marido me transmitiu, a Joana sentia-se muito... incompleta. Muito... só. (Pausa breve) Faltava-lhe a tal metade...
(Perplexa) Qual?!
DR. GOMES
(Sorrindo com condescendência) Vejo que ainda não pensou nisso, Bé, mas há-de chegar lá...
(Abespinhada) Mas eu dei atenção à minha filha ora essa! Atenção e muitos mimos! (Irritada) Se o meu marido lhe disse o contrário, mentiu!
DR. GOMES
Não, o seu marido nem me falou de si...
(Com ironia) Era de esperar... Ele vive obcecado com a Joana... Só pensa nela, só fala dela... Para ele, nada mais existe... Esquece-se de que era ele quem passava menos tempo a dar-lhe atenção!...
DR. GOMES
(Pausadamente) Não, Bé. Está enganada. O seu marido nunca mais se vai esquecer disso... É, aliás, isso que mais lamenta, para além do que aconteceu à Joana, evidentemente.
(Preocupada) quanto ao Jorge? Como é que posso ajudá-lo?
DR. GOMES
Primeiro, se me permite um conselho, cada um de vós terá de aprender a aceitar a perda que sofreu... E aceitar que cada um levará o seu tempo até isso acontecer e reagirá de forma diferente até que esse momento venha...
(Com alguma ironia) O seu conselho é fácil de perceber, mas difícil de pôr em prática...
DR. GOMES
É para isso que podem contar com a minha ajuda...
(Emocionada, elevando o tom de voz) Mas como é que havemos de aceitar uma brutalidade como a que nos atingiu?! Como Vamos viver até conseguirmos aceitar?!
DR. GOMES
(Sorrindo com ternura) Um dia de cada vez... Procurando deixar para trás o que não se pode recuperar e retendo aquilo que vale a pena...
(Com tristeza) Um dia de cada vez... (Pausa breve) Um dia é um século, naquela casa... (Sorrindo com ironia) por isso que nós os três temos envelhecido tanto... Até o Jorge!
DR. GOMES
Envelhecer não é assim tão mau, desde que, ao mesmo tempo, se vá crescendo... E eu acredito que têm crescido. Todos! São todos sobreviventes de uma tragédia e isso prova que têm energia para continuar a lutar.
BE
(Sorrindo com tristeza) De facto, sobrevivemos todos... (Suspira longamente.) Nem sei como! (Pausa breve) Só o Lucas não sobreviveu à morte da Joana...
DR. GOMES
(Intrigado) O... Lucas?!
Era o cão da Joana. (Sorrindo com ternura) A minha filha apareceu, um dia, com ele, todo sujo, esquelético, faminto... Eu confesso que não o queria lá em casa, mas a Joana insistiu tanto!... Na verdade, dedicou-se a ele como se o tivesse desde sempre! (Pausa breve) E o cão, de facto, era-lhe muito chegado. Queria ir com ela para todo o lado...
DR. GOMES
(Sorrindo) Os cães costumam ser assim com quem lhes quer bem, com quem lhes dá atenção...
Pois é... E o pobre do Lucas não resistiu às saudades... (Pesarosa) Deixou de comer... Já nem queria sair à rua... Deixou-se abater por completo. Até me fez impressão! (Pausa breve; suspira.) Sabe, chego a pensar que o Lucas era o único amigo da Joana, o seu único amigo verdadeiro. Os outros...



A Mila brindou-nos com a sua interpretação e arranjo das Obras Completas de António Patrício:


Xana J., trouxe-nos um exercício de dicção. Articulação de sílabas:




A obra do mestre António e seus pupilos:



Ao cair do pano celebrou-se mais uma magnifica sessão do LEA

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Maratona de Leitura

Vai decorrer na Biblioteca Escolar da Escola D. Manuel I em Alcochete, nos próximos dias 25 e 26 de outubro, entre as 8h30 e as 17h30 uma maratona de leitura.

Alireza Darvish

Quem quiser ir ler, pode inscrever-se através do tel. 212 348 730 ou do email bemanelito@gmail.com

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Júlio Dinis

Próxima sessão: 23-10-2012



Tema: Júlio Dinis        
                                         














Responsável pela sessão: António Gil


sábado, 6 de outubro de 2012

LIBERDADE

Próxima sessão: 2012.10.09

TEMA: Teatro




Responsável pela sessão: António Soares

A sessão de 2012.09.25; Tema: LIBERDADE 

O João, mesmo longe, contribui com este poema de Miguel Torga:

Liberdade

Liberdade, que estais no céu... 
Rezava o padre-nosso que sabia, 
A pedir-te, humildemente, 
O pio de cada dia. 
Mas a tua bondade omnipotente 
Nem me ouvia. 

— Liberdade, que estais na terra... 
E a minha voz crescia 
De emoção. 
Mas um silêncio triste sepultava 
A fé que ressumava 
Da oração. 

Até que um dia, corajosamente, 
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, 
Saborear, enfim, 
O pão da minha fome. 
— Liberdade, que estais em mim, 
Santificado seja o vosso nome.    

Miguel Torga, in 'Diário XII'       


António Gil, trouxe-nos uma adaptação de um texto do livro “Liberdade, a coragem de ser genuíno”, de Osho - Edição Bertrand – Colecção 11/17:   

Caminho para a Liberdade
Este mundo é muito bonito mas está nas mãos erradas. O que eu quero dizer é, por favor, não seja você as mãos erradas, só isso. 
Eu não ensino a revolução, eu ensino a rebelião, e a diferença é muito grande.
A revolução precisa que você se organize como partido, como exército, e que lute contra os inimigos. A rebelião significa que você, como individuo, é um rebelde; que sai simplesmente de toda esta rotina. Pelo menos não deve destruir a natureza.
A liberdade não tem nada que ver com o exterior; uma pessoa pode ser livre mesmo numa prisão. A liberdade é algo interior; é um privilégio da consciência. Você pode ser livre em qualquer parte – até acorrentado, numa prisão... - ou pode estar preso fora da prisão, na sua própria casa, visível e absolutamente livre, mas sendo um prisioneiro se a sua consciência não for livre.
… 
No que diz respeito ao exterior, você nunca pode ser absolutamente livre. Há milhões de pessoas à sua volta. No exterior, a Vida tem de ser um compromisso. 
Um homem compreensivo respeitará tanto a sua própria liberdade como respeitará a liberdade dos outros. É um entendimento mútuo: “Eu respeito a tua liberdade, tu respeitas a minha liberdade, e ambos podemos ser livres”, mas é um compromisso. Eu não tenho de interferir consigo, eu não sou livre para o invadir.
A Vida é uma interdependência. E você não é interdependente apenas das pessoas, é interdependente de tudo. Se cortar todas as árvores, vai morrer, porque elas estão constantemente a fornecer-lhe oxigénio. Você está dependente delas - e elas estão dependentes de si, porque lhes dá constantemente dióxido de carbono. 
Tudo é uma interdependência. Aprecie-a. Você está dependente dos outros e os outros estão dependentes de si. É uma fraternidade, é uma relação de família. Mesmo a folha de erva mais pequena está relacionada com a maior estrela.
Mas no mundo interior, no reino interior, você pode ser absolutamente livre. Toda a questão é do foro do interior. Compreenda que a interdependência exterior é necessária, é inevitável. Aceite-a. Quando não se pode fazer nada em contrário, a aceitação é a única saída. E aceite-a com alegria, não com resignação. Isto é o nosso universo; nós somos parte dele. Nós não somos ilhas, somos parte de todo um continente.
Um rebelde é alguém que não reage contra a sociedade, que compreende o seu jogo e simplesmente desliza para fora dela. Ela torna-se irrelevante para ele. Ele não é contra a sociedade. 
E essa é a beleza da rebelião: é a liberdade e liberdade significa compreensão.



Helena Policarpo, leu Liberdade, de Fernando Pessoa:











LIBERDADE
de Fernando Pessoa

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa…

Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
a distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando em vez de criar, seca.

E mais do que isto
é Jesus Cristo,
que não sabia nada de finanças,
nem consta que tivesse biblioteca…


António Soares, leu:
O VAGABUNDO DO MAR

De Manuel da Fonseca



Sou barco de vela e remo
sou vagabundo do mar      
Não tenho escala marcada
nem hora para chegar:      
é tudo conforme o vento,
tudo conforme a maré…  
Muitas vezes acontece    
largar o rumo tomado    
Da praia p’ra onde ia…  
Foi o vento que virou?    
foi o mar que enraiveceu
E não há porto de abrigo?
ou foi a minha vontade  
de vagabundo do mar?  
Sei lá .                        
Fosse o que fosse          
não tenho rota marcada
ando ao sabor da maré.
É por isso, meus amigos,
que a tempestade da Vida
me apanhou no alto mar.
E agora                        
queira ou não queira,    
cara alegre e braço forte:
estou no meu posto a lutar!
Se for ao fundo | acabou-se.
Estas coisas acontecem  
aos vagabundos do mar.


Mariana, trouxe-nos uma canção de :

Ermelinda Duarte : Somos livres (uma gaivota voava voava)












Letra e música: Ermelinda Duarte e Javier Tamames.

Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.

Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
não vou combater".
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.

Cármen, Vitória e Vasco, leram,
Da autoria da Cármen (Cármen Ezequiel):











EMANCIPAÇÃO DE UM POVO

Libertas as mágoas duma saudosa verdade
Importa a este nobre povo valer
Bebem ódios como a água da fonte
Em campos de batalha, cegos de não saberem viver!
Regressa, Portugal, tua liberdade ausente?!
De uma era, outrora, ímpar…
Armas, que tens, presente: força, vontade, sabedoria!
Donos duma realidade desigual
Entre a espada e a parede levantar!
(de 27 agosto 2007, in Coletânea INTEMPORAL, editorial Minerva, Fev. 2008)


ALMA LIVRE

Lentamente, devagarinho, abrem-se as asas ao vento…
São livres! Sou livre?
Um país em chamas. De um sol quente, forte! Ou, de uma hipocrisia vil?
As ruas cobertas de uma água derretida.
Os cheiros robustos de um prazer fétido.
Os ventos que sopram numa encruzilhada, … contrários a si mesmos.
Os sons da rua! Ensurdecedores até aos ossos.
Lágrimas que rolam, gritos calados e feridas abertas…
Em paz estou. São livres! Sou livre?
Ódios e religião. Corpos cobertos de preto… a dor! A COR?
Opressão é a paixão dos ricos.
Fome é a gula dos pobres.
São livres! O seu espírito voa pelo mundo fora.
Sou livre? No conforto da minha casa.
Na paz interior num consumismo tresloucado,
No egoísmo do meu bem estar…
A força que importa levantar
É a esperança numa paz diferente,
É o grito de uma liberdade, dos nossos íntimos, ausente.
Lentamente, devagarinho, abrem-se as asas ao vento…
São livres?
Sou livre… para divagar!

(de 29 agosto 2007, in Coletânea INTEMPORAL, editorial Minerva, Fev. 2008)